Eu robô
 



Cronicas

Eu robô

Cinthya Nunes


“Desculpe, mas somente seres humanos podem realizar essa operação” - foi a mensagem que apareceu na tela assim que tentei me inscrever em um curso online. Era preciso clicar, inicialmente, em um campo para provar que eu não era um robô. Como me atrapalhei porque estava fazendo duas coisas ao mesmo tempo, acabei por pular essa etapa, ao que fui logo advertida pelo sistema.

Eu suponho que isso se dê para evitar o envio de mensagens automáticas indevidas ou mesmo a instalação fraudulenta de programas maliciosos. Assim, ao tomarmos essa pequena precaução, em tese, o sistema nos reconheceria como seres humanos, pressupondo, portanto, que estamos realizando a operação de forma consciente.

Fiquei com aquela advertência inicial martelando nas minhas ideias. Pareceu-me que havíamos avançado no futuro, onde as máquinas já seriam capazes de decisões e que navegariam pela internet de forma autônoma. Fosse esse o caso, isso se já não for, porque nunca sabemos ao certo o que nos é sonegado em termos de informação, haveria duas análises a serem feitas, no mínimo.

Por óbvio que um robô pela internet seria o equivalente a um leão na selva. Ou seja, estaria em seu habitat natural. Talvez houvesse robôs mais especializados em determinadas áreas, por certo, o que até poderia levá-los a querer fazer algum curso online, muito embora eu pense que muitos robôs seriam professores e não alunos. Por outro lado, estaríamos diante de uma discriminação, já que expressamente somente os seres humanos poderiam realizar certas operações.

Não acredito que me sobre tempo de vida para testemunhar um mundo de robôs independentes em convívio com seres humanos, mas já ouvi discussões sobre inteligência artificial e seus direitos em seminários jurídicos. Ou seja, se a inteligência artificial se tornar realidade inconteste, será inevitável discutir-se seus direitos e, entre eles, a igualdade. Consigo imaginar até mesmo um movimento pró-robô, pelo banimento da discriminação.

Essa ideia me traz à lembrança o livro e também o filme nele inspirado, “O homem bicentenário”, do escritor Isaac Asimov. Para quem não leu, recomendo fortemente. Ao criarmos seres capazes de pensar e de tomar as próprias decisões, poderíamos torná-los subservientes ao extremo, negando-lhes todo e qualquer direito? Ao brincarmos de Criador, teríamos, nós mesmos, o direito de sermos tiranos?

Como a imaginação não tem freios, já fico pensando nas diversas situações que as pessoas do futuro poderão experimentar. De início, até que os robôs tenham seu status jurídico definida, teremos estabelecimentos “robô friendly”, que aceitam robôs em suas dependências, de início como acompanhantes dos humanos mas, depois, até mesmo sozinhos, para tomarem uma dose de fluido lubrificante ou energético.

Penso ainda que, eventualmente, possa haver casos de amor entre pessoas e robôs. Talvez tudo tenha surgido em um bate papo no multiverso e, vai da aqui, vem dali, rola um sexo virtual (coisa já possível em muitos sentidos, segundo li e me surpreendi ao saber), surja uma paixão louca e avassaladora. Como apresentar aos pais, amigos e família que agora você se relaciona com a prima da Alexa ou da Siri? Será que teriam como resposta que “só seres humanos podem realizar essa operação?”

Há todo um mundo novo a ser explorado, seja como for. Quem viver verá. Sem dizer que, com absoluta certeza, teremos pessoas com muitas partes de seus corpos substituídas por máquinas, criando uma categoria intermediária. A ficção há muito já se encarrega de tentar antecipar como tudo será. Só espero que estejamos em bom caminho.


Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e, por enquanto, acredita que só seres humanos leem suas crônicas – cinthyanvs@gmail.com/ www.escriturices.com.br

 

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